A Regra 80/20 na Análise de Custos: Gestão Estratégica dos Custos de Materiais e Embalagens em Empresas Industriais

 

A Regra 80/20 na Análise de Custos: Gestão Estratégica dos Custos de Materiais e Embalagens em Empresas Industriais



Introdução

A gestão de custos é decisiva para a sustentabilidade, rentabilidade e competitividade das empresas industriais. Porém, no cenário da literatura contábil e gerencial, observa-se uma predominância de abordagens que dão prioridade aos custos de transformação, processos e overhead, relegando os custos de materiais e embalagens a um segundo plano. O presente artigo propõe uma visão crítica e aplicada da análise de custos, com base em uma versão diferenciada da regra 80/20, na qual se recomenda dedicar 80% do tempo analítico aos 80% dos custos mais representativos — geralmente concentrados nas matérias-primas e embalagens. Discute-se a lacuna teórica sobre o tema, detalhes setoriais, caminhos metodológicos e práticas eficazes de gestão, enriquecendo o texto com referências acadêmicas e exemplos práticos.

Fundamentação Teórica e Revisão da Literatura

A literatura clássica de custos, exemplificada por autores como Anthony & Govindarajan (2002) e Horngren et al. (2014), tradicionalmente classifica custos fabris em diretos e indiretos, enfatizando métodos de custeio variáveis, absorção, e metodologias modernas como o ABC — Activity-Based Costing. Contudo, a aplicação predominante dessas técnicas está orientada aos custos de processos e transformação, enquanto os custos de materiais e embalagens, que em muitos segmentos industriais superam 80% do total, são marginalizados.

Segundo Johnson & Kaplan (1987), a centralidade nos custos de processos foi reforçada pela evolução dos sistemas industriais, tendendo a negligenciar os elementos mais representativos na estrutura de custos, o que restringe a efetividade da gestão. Autores como Drucker (2004) alertam sobre o perigo de sistemas excessivamente teóricos, pouco alinhados à realidade operacional dos chãos de fábrica.

A Regra 80/20 Adaptada para Análise de Custos

Enquanto o princípio de Pareto postula que 20% das causas geram 80% dos efeitos, a regra sugerida para análise de custos indica que devemos concentrar 80% do tempo analítico na gestão dos elementos que compõem pelo menos 80% dos custos totais. Na prática, essa lógica racional garante maior eficácia nas decisões, sobretudo em indústrias onde matérias-primas e embalagens dominam os custos operacionais.

Exemplo Prático

Na Refinações de Milho Brasil, insumos como milho, óleos vegetais, conservantes e embalagens plásticas e metálicas derivados de produtos como Maionese Helmann's e Sopa Knorr corresponderam aproximadamente a 90% dos custos totais, comprovando a necessidade de enfoque aprofundado nessas categorias de custo. Essa experiência corrobora com relatos de Anthony & Govindarajan (2002), que reforçam que os custos de materiais exigem um sistema próprio de gestão.

As Lacunas na Literatura e Principais Desafios

Carência Metodológica

A maioria dos livros, artigos e cursos universitários de custos limita-se a abordar:

  • Custos de transformação

  • Custos de processos produtivos

  • Overheads fabris

  • Custos diretos e indiretos de fabricação

O enfoque nos custos de materiais e embalagens é insuficiente, e os sistemas tradicionais de custeio — sejam ABC, UP, Target Costs ou absorção — raramente incluem metodologias específicas para alocar, gerir e analisar esses custos predominantemente.

Distanciamento do Chão de Fábrica

Muitos autores, no campo acadêmico, atentam à sofisticação metodológica e conceitual, sem considerar a realidade operacional das fábricas, onde metodologias simples, práticas e adaptadas são imprescindíveis para lidar com os maiores custos.

Custos Relevantes Pouco Explorados

Além das matérias-primas e embalagens, outros custos crucialmente importantes mas pouco explorados são:

  • Custos de Armazenamento e Logística: Impactam de forma direta no custo total de produtos, nas operações e no ciclo de caixa.

  • Custos de Manutenção: Paradas não programadas e reparos afetam a produtividade e elevam os custos totais.

  • Custos Ambientais: Exigências regulatórias impõem custos significativos relacionados ao tratamento de resíduos, emissões e conformidade legal.

  • Custos da Não Qualidade: Perdas financeiras por retrabalho, rejeições e reclamações de clientes, abordados por Juran (1998).

Gestão e Análise dos Custos de Materiais e Embalagens

O tratamento adequado dos custos de materiais e embalagens depende de diversos fatores, incluindo:

Análise Setorial

Cada segmento industrial demanda uma abordagem específica:

  • Química: Processos variam entre simples misturas ou reações complexas, influenciando a gestão dos insumos.

  • Metalúrgica: Diversidade de produtos (usinados, fundidos, laminados) e processos internos exigem atenção individualizada.

Personalização da Metodologia

A literatura tradicional não fornece metodologias universais; adaptações e customizações são essenciais para refletir a realidade operacional. Segundo Cooper & Kaplan (1991), a adoção de sistemas híbridos e integrados pode ser mais eficaz que soluções genéricas.

Integração com Sistemas Operacionais

A evolução dos sistemas ERP e WMS viabiliza o acompanhamento em tempo real dos custos, permitindo a coleta e análise de dados de consumo, perdas, estoques e movimentação logística.

Cultura Organizacional

Envolver todos os colaboradores na identificação, análise e controle dos custos é fundamental. O conceito Kaizen (ITO, 2017) reforça a ideia de melhorias contínuas e participação coletiva.

Glossário

  • Regra 80/20: Princípio de alocação analítica que recomenda dedicar 80% do tempo aos 80% dos custos principais, para potencializar o resultado da análise e das decisões.

  • Custos de Materiais: Valores relacionados à aquisição e consumo de insumos produtivos diretos.

  • Custos de Embalagens: Gastos com materiais utilizados para acondicionar, proteger e apresentar o produto final.

  • Custos de Armazenamento e Logística: Valores associados à movimentação, armazenagem e entrega dos insumos e produtos acabados.

  • Custos de Manutenção: despesas ligadas à manutenção preventiva, corretiva e preditiva de máquinas e equipamentos.

  • Custos Ambientais: Custos para atender exigências ambientais e regulatórias, incluindo tratamento de resíduos e certificações.

  • Custos da Não Qualidade: Perdas causadas por defeitos, retrabalhos e rejeições.

Conclusão

O gerenciamento eficiente dos custos de materiais e embalagens representa uma das práticas mais relevantes para empresas industriais. Superar as limitações da literatura tradicional exige o desenvolvimento de metodologias específicas, alinhadas à realidade operacional das fábricas. A aplicação disciplinada da regra 80/20 oportuniza decisões mais estratégicas, otimiza recursos e eleva o desempenho financeiro. Cabe à academia e ao setor produtivo intensificarem o diálogo e a atualização metodológica para avanços significativos na área.

Referências (normas ABNT)

ANTHONY, R. N.; GOVINDARAJAN, V. Sistemas de Controle Gerencial. São Paulo: Atlas, 2002.

COOPER, R.; KAPLAN, R. S. Conceptual Foundations of Activity-Based Costing. The Accounting Review, v. 66, n. 3, p. 557-569, 1991.

DRUCKER, P. F. Management Challenges for the 21st Century. São Paulo: Ed. Campus, 2004.

HORNGREN, C. T.; DATAR, S. M.; RAJAN, M. V. Cost Accounting: A Managerial Emphasis. 15 ed. Pearson, 2014.

ITO, T. Custos Kaizen e Cultura de Melhorias Contínuas. São Paulo: Edgard Blücher, 2017.

JOHNSON, H.T.; KAPLAN, R. S. Relevance Lost: The Rise and Fall of Management Accounting. Boston: Harvard Business School Press, 1987.

JURAN, J.M. Qualidade Total: A Estratégia do Negócio Vencedor. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1998.


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