Profissionais 2.0 – O caso do mercado de Conselheiros /
Ainda que seja difícil reconhecer, por se tratar de um segmento no qual
atuo, a realidade que temos hoje é de um país que sofre com a disseminação
da baixa qualificação de profissionais, ou da construção de grupos
fechados e favorecidos por fatores não necessariamente relacionados ao próprio
mérito, ou por seu real perfil para atuar em determinada atividade. Nas
áreas de gestão e governança não é nada incomum observarmos isso.
Diante dos desafios que se impõe, dia após dia, no nosso mercado e junto
às empresas, boas práticas de gestão e de governança tornaram-se a base para o
crescimento e a sustentabilidade de toda organização. Condição que justifica a busca
frequente e cada vez maior por esse conhecimento. Porém, como é possível
perceber em nosso mercado, uma grande procura e oferta não necessariamente
significa grande qualidade e valor agregado. Em outras ocasiões, sequer
significam acessibilidade e oportunidades iguais a todos os que têm condições
de acessá-las.
Este
aumento exponencial da oferta de qualificação de profissionais nesta área (o
que me parece ser também um fato para outras áreas), ou a construção de
reservas de mercado, vêm sendo construídas a partir de uma grande mistura de
palavras-chave, escalonamento sem critério de ofertas, e a partir do
reconhecimento e/ou formação de grupos privilegiados, muito mais por seu poder
aquisitivo ou bons relacionamentos, do que propriamente pelo mérito ou perfil.
Nesta linha, temos desde workshops de duas horas que levam também a
certificação, cursos que afirmam certificar, pois emitem um “certificado
de participação” ao seu final, e certificações que incluem algumas
dezenas de horas de formação e uma avaliação final, mas que possuem em seu rol
de certificados, desde profissionais recém atuantes na área, como também outros
de grande experiência e qualificação.
Temos também entidades promovendo grupos formais destes profissionais,
“desde que” façam seus próprios cursos e obtenham sua própria “certificação”
derivada exclusivamente dos mesmos. E assim, teriam acesso inclusive a
oportunidades profissionais e outros produtos deste grande “pacote” de ofertas,
desde que possam pagar por todas elas.
Neste ponto, deixo claro, porém, que nada tenho contra ampliação de
portfólio e diversificação. Para quem tem certificação e atua em gestão de
riscos como eu, vejo isso com absoluta naturalidade. Porém, é preciso ter
critério, bom senso e ética para isso. Misturar um suposto referencial de
excelência construído ao mercado (certificação), com um conjunto de entregas
associadas e “casadas” ao referencial, não me parece nada adequado.
A norma ABNT ISO/IEC 17065, dedicada à gestão de organismos de
certificação de produtos, por exemplo, tem em um dos seus principais requisitos
a GESTÃO DA IMPARCIALIDADE nos processos de certificação. Quando o objeto da
certificação é Governança Corporativa, o qual carrega consigo valores e
princípios intimamente relacionados a ética, diversidade, sustentabilidade,
transparência, prestação de contas, ESG etc., chega a ser contraditório ignorar
estes aspectos.
Em meio ao uso desenfreado e pouco criterioso do termo “certificação”,
tornou-se um desafio identificar com clareza o caminho a seguir aos que buscam o
seu próprio reconhecimento, compatível ao conhecimento, experiência, perfil e
expectativas de retorno, com isenção, imparcialidade, independência,
acessibilidade e efetividade. Assim como, aos que buscam profissionais
alinhados às demandas e desafios de suas organizações.
O dilema do crescimento
Seja qual for a certificação, é natural que na medida em que há seu
crescimento no mercado (e crescimento indica aumento de certificados emitidos e
reconhecimento público do selo), haja também um aumento de demanda em torno da
obtenção do referencial.
De um lado, o desejo em alcançar o reconhecimento, seja para
“entrar no baile” ou mesmo para não ser “convidado a se retirar”. Do outro, um
“doce” e quase irresistível convite a qualquer organização que forneça
certificações, que passa a ter “a faca e o queijo” para surfar em meio ao
crescimento de demanda (e de receita). E no meio deste cenário, aspectos que
podem levar ao início do fim do referencial de excelência:
- Será que todos aqueles que ingressam no processo têm condições de
obter a certificação?
- Como dizer “não” para aqueles que não reúnem as condições mínimas
necessárias para ingressar no processo de certificação?
- Como dissociar a minha necessidade em atravessar o “break even” de
formação da turma (número de participantes), e que leva a minha própria
certificação, e os pré-requisitos da “certificação” para admitir novas
matrículas? Até que ponto serei capaz de preservar a “elasticidade” dos
critérios para admitir matrículas, diante dos meus interesses em
viabilizar as turmas?
- Serei capaz de “blindar” a minha certificação de outros produtos
que ofereço vinculados a ela, ainda que isso provoque mal-estar,
descontentamento e frustração de meus potenciais clientes destes outros
produtos que também ofereço?
Há ainda o desprezo ao mérito e o conflito de interesses que eclodem de
uma entidade não estruturada e aculturada como uma certificadora, diante da
reserva de mercado que ela percebe que seu referencial alcançou. Esta passa a
identificar oportunidades de criar seus próprios grupos, clubes, assim como
prover outras entregas “casadas” à certificação, misturando e contaminando o
interesse genuíno em construir um referencial de excelência de mercado para
profissionais, com outros objetivos, entregas e interesses
econômico-financeiros.
O nivelamento por baixo e os
seus sinais
O “canto da sereia” diante do aumento da demanda (e de receita) no curto
prazo para a certificação oferecida, ou reservas de mercado estabelecidas, leva
a muitas empresas que afirmam ofertar uma “certificação” a sucumbirem, o que
afeta diretamente os valores que deram origem ao referencial construído. O
“branding” passa a ser o produto, e não o que ele significa, que mensagem ele
traz e que valor agrega a todos que têm interesse no referencial.
Em se tratando, por exemplo, de certificações de profissionais, este
processo é ainda mais acelerado, oferecendo como consequência
imediata o nivelamento por baixo, tanto das exigências para obtenção
do selo, quanto da entrega percebida dos profissionais certificados junto ao
mercado.
Neste ponto, misturam-se tanto as “certificações” obtidas em um workshop
de duas horas, quanto aquelas que promovem uma certificação ancorada em um
processo de qualificação e comprovação de experiências mais estruturadas, assim
como aquelas que estão associadas a outros produtos que se conflitam às
premissas de um referencial de mercado. A fronteira que delimita os requisitos
da certificação começa a ser cada vez mais elástica. Afinal, quanto mais
profissionais certificados, maior o reconhecimento, maior o market share
e maior o resultado financeiro do portfólio oferecido por uma única entidade.
Em se tratando de certificação de profissionais, as quais devem (ou
deveriam) compor aspectos de qualificação, perfil e experiência prévia, além de
formação específica direcionada ao processo de certificação, alguns sinais
começam a surgir e que demonstram este esforço pela elasticidade em
prol da escala:
- Os critérios de ingresso no processo de certificação tornam-se menos
importantes, ou apenas detalhes, diante da inscrição em si;
- O processo de formação específico não evolui e, em muitas ocasiões,
é até canibalizado e enlatado em um formato que facilita a participação de
cada vez maior número de inscritos, além de tornar seus temas e discussões
mais genéricas e pouco objetivas;
- O volume de profissionais de diversos níveis e momentos de carreira
ostentando a certificação aumenta exponencialmente;
- A estratégia de comunicação institucional e de marketing do
organismo de certificação está mais direcionada ao seu “branding” e aos
produtos “casados” à certificação, do que nos valores, objetivos e
resultados que cercam o referencial.
Estar atento a estes sinais, é um passo decisivo na busca por clareza e
transparência quanto aos caminhos de evolução do referencial desenvolvido.
Todos estes aspectos são desafiadores, porém sigo acreditando e
trabalhando ativamente na inversão deste processo. A pedra fundamental de todas
as certificações nas quais tive e tenho a oportunidade de contribuir, foi
lapidada com foco total em todos estes aspectos. Foi assim com a primeira
Certificação de Conselheiros Consultivos do Brasil que ajudei a implementar no
Brasil, e é assim na "versão 2.0" deste projeto, o Advisory
Board Certified Member - AdCM®, a nova Certificação de Conselheiros Consultivos
que desenvolvemos.
Sou Tiago Martins da Fonseca, Diretor Executivo da BRA
Certificadora – Brasil; Engenheiro de Produção; Pós-Graduado em Gestão
Financeira, Economia e Gestão da Sustentabilidade; Certificado em Gestão de
Riscos pela Universidade de Toronto/Canadá; Conselheiro Consultivo Certificado
pela BRA Certificadora (AdCM®); Conselheiro de Administração
Certificado pela Governance Solutions Inc. Canadá (PRO.DIR™); especialista em
sistemas de gestão, e na construção de modelos inovadores de certificação e de
avaliação de conformidade.
https://www.linkedin.com/in/tiagomartins-compliance/
Nenhum comentário:
Postar um comentário